sábado, 2 de maio de 2009

QUANTO VALE UM SACO DE PIPOCAS?
Lauro F. Carvalho
Sempre estivemos - individual e familiarmente - ao nível econômico-social de classe média baixa, típico das famílias interioranas. Mas, quando a mãe, firme e valorosa, decidiu se separar do marido, com seis filhos pequenos, passamos algumas dificuldades maiores, o que fez com que ela, durante algum tempo, tivesse que fazer coisas para vender, para complementar a receita doméstica.
Preparava latinhas de arroz-doce e saquinhos de pipocas, colocando os filhos a vendê-las pelas ruas da cidade. Sendo, eu, o mais novo, demorei um pouco para conquistar a "glória" de ser autorizado a sair, também, com os tabuleiros dos comestíveis à venda. Quando isso aconteceu, senti-me muito motivado, como sendo o sinal de "adulto", pessoa responsável, que podia "fazer negócios" sozinho. Algumas cenas nunca mais se apagaram da minha memória.
Já vai para mais de 40 anos que me revejo, na tela das esmaecidas lembranças, à frente do único cinema da cidade, com a vasilha cheia de saquinhos de pipocas. Cada um que vendia era uma emoção renovada. Quando alguém, uma mãe, por exemplo, comprava vários de uma vez, para os filhos, minha alegria não tinha tamanho. Geralmente, éramos mais de um e comentávamos, uns com os outros, o andamento do trabalho. E, ao voltar para casa, com, pelo menos, mais da metade vendido, vínhamos eufóricos e felizes.
Prestávamos conta à "empresária" mamãe dos resultados, com as contas feitas, cuidadosamente. Só muito mais tarde pudemos entender que o seu "rigor" não se centrava tanto no cuidado com a "mercadoria" e os mil-réis correspondentes, senão, principalmente, no empenho em ensinar-nos o dever da responsabilidade.
Sempre que nos volta à lembrança esse tempo, ficamos a meditar quanta emoção fora vivenciada e quanto é fácil fazer a alegria de uma criança, especialmente quando um adulto, com certa habilidade, consegue transformar uma situação de apreensão e dificuldade em estimulante atividade de desenvolvimento.
Acontece que (sem querer exaltar a querida genitora, há muito no mundo espiritual), ela também conhecia, como ninguém, a importância da "vibração" das coisas, e colocava muito empenho e, mesmo, amor em tudo quanto fazia, pela satisfação de poder dizer (especialmente para si própria), que o produto saído de suas mãos era de boa qualidade. E nisso, também, há uma grande lição porque, aparentemente, quão pouca criatividade se pode imaginar num simples ato de arrebentar pipocas... os saquinhos de papel eram costurados um a um, na velha e imbatível "Singer", de vez que, naquele tempo e naquelas bandas, não os havia, prontos, para comprar. E o preparar de cada dia fazia a festa da garotada que esperava impaciente, enquanto entoava a ladainha: "rebenta pipoca, Maria Pororoca"...
Quantas vezes as maiores emoções e mais gratas lembranças, vêm, não dos grandes acontecimentos, mas, de cenas e fases marcantes na simplicidade de uma quadra da vida! Ah, querido leitor, se os trabalhos, lutas, desafios e problemas da vida - tanto a nível individual quanto coletivo - fossem trabalhados com o mesmo espírito com que o velho menino vendia suas pipocas, à porta do cinema, nas "matinês" de domingo e nas primeiras sessões da noite, por certo, o mundo seria bem melhor, bem mais ameno.
O que é que que vale mais: o resultado pecuniário ou a vibração do fazer, do sentir-se capaz de dar conta? Atente para a expressão do título: não perguntamos quanto custa um saquinho de pipocas, sim, quanto vale. Quanto vale a vibração, o empenho, o ideal que você coloca naquilo que faz, quando, realmente, motivado?
Isso não é amor? E o amor não é a essência de tudo? Não nos dizem as Escrituras que "Deus é amor"? Tudo o que fizermos com o amor tem o sabor da perenidade.
O edifício que você constrói ou o botão que prega na peça de roupa - sua ou de outrem - pode ter algo de grandioso em comum: a consciência do valor da coisa e a retidão com que é produzida.

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